Você não vai acreditar, mas hoje sonhei que você morria. Alguém me avisava: o Itamar faleceu e eu achava que aquele verbo não combinava com você.
No sonho eu arrumava suas coisas e as coisas que você me deu. Entre elas, aqueles dois pratinhos de comer cachorro quente. Sua cara. Quem precisa de um pratinho em forma de cachorro, com lugar pra salsicha, mostarda e o ketchup? Nunca usei, mas eles estão guardados há 31 anos e passaram, incólumes, por todas as mudanças e doações.
Você faz muita falta.
Hoje faz 14 anos que você dormiu. Lucca e Maria tinham 14 anos. Então metade da vida deles você está dormindo.
Tanta coisa pra viver…
Outro dia mostrei pro Derek umas fotos antigas nossas. Perguntei se ele sabia quem era quem. Ele achou que eu fosse a Bella. Mostrei uma foto sua. Ele não sabia quem era. Contei que era você. Ele me perguntou se você era de verdade.
Entendi o que ele quis dizer. Na foto você sorria, de braços cruzados, em pé. Derek nunca te viu em pé. Nunca te viu sorrindo. Nunca ouviu sua voz. Parece mentira. Você não é um tio de verdade. Ele só tem os anos do seu sono profundo, da sua imobilidade, da sua quase morte.
Fico pensando que a gente morre mesmo de algumas maneiras durante a vida. Há uns meses, eu morri como professora da Viva. Saí da escola. Aquele passarinho não me pertence mais, embora os tantos passarinhos que voaram à minha volta nesses anos todos fizeram ninho e permaneçam dentro de mim.
Também morreu minha capacidade de gerar filhos. Tirei o útero. Briga longa entre o tempo e o desejo inconsciente de múltipla maternidade. Sangrei, mas entendi que outros filhos podem estar por aí e basta apenas encontrá-los. O amor é gerador.
Eu morri como pessoa que tem esperança de um país mais justo a curto prazo. É uma dor de indignação, sabe? Quando a saudade vem, queria poder te falar sobre esse Brasil, mas agora não é a hora.
Escrevo daqui do hospital, o mesmo hospital de 14 anos atrás. Hoje você veio trocar a gastro de alimentação.
Por que hoje? Fechar ciclos? Revisitar lugares? Encontrar um caminho de volta? Não sei. Morreram em mim as respostas pra tantos questionamentos. Quatorze anos é tempo demais pra esperar. Quatorze anos é tempo demais pra tantas mudanças e doações.
Quatorze anos. Nem lembro mais de nós.
É tocante, e é tão lindo, uma beleza diferente das outras, um amor diferente dos outros, um simbolismo das memórias.
É disso que a gente vive, do que fica, das lembranças, a gente só não percebe.
Escreva mais. Quem sabe um livro? Conta essa história!
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Que bonito, querida! Um livro é um desejo secreto.
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Oi Bettina!! Quanto tempo acompanho seu blog, sua história… não perca esperanças… Há uma força maior ou lições a serem aprendidas. Me comovo com cada texto novo e com tanto sentimentos em cada um!!! Resista!! Um dia o Ita acorda!!! A gente torce por isso!! A gente reza por isso…
Beijo carinhoso
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Obrigada pela msg, torcida e oração. Chegam até aqui!
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o amor vale a pena, e que bom q vc guardou os pratinhos (relíquia) Um beijo grande
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Sempre! Bj
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Querida, sentia falta dos seus textos e rezava pra tudo estivesse bem por aí!
Vocês são queridos e abraçados por desconhecidos, como eu!!
Deus está com vocês! Dando força e paciência!
Que tudo fique em paz!!!
Bjnhos
Monica Vicentino
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Que abraço bom! Bj
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Ai Bettina, vocês tem uma sorte de se ter, e a gente tem uma sorte maior ainda de poder ler e sentir a delicadeza que é suas palavras. Ler você é um lembrete que todo amor tem que ser vivido hoje, obrigada!
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Que lindo! Sorte a nosssa vc por aqui!
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Lindo texto Bettina !!!! Vc tem uma força incrível 😘😘😘
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Um beijo, Katy!
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Morremos de muitas maneiras durante a vida e nascemos também diversas vezes durante essa mesma vida. Desejo muitos nascimentos para você. Ainda haverá estreias, novidades, aprendizados. Não deixe de escrever. Quando escreve para o Ita, nos faz acordar.
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Linda, obrigada! Mensagens assim me alimentam!
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Vou escrever a letra de uma música: ” Alguém cantando longe daqui, alguém cantando bem, alguém cantando bem longe…a voz de um certo alguém, alguém que canta como que para ninguém… A voz de alguém quando vem do coração de quem mantêm toda pureza da natureza; onde não há pecado nem perdão… “Para quem quer se soltar invento o mar, invento um barco pronto prá partir, invento lua nova a clarear, invento o cais…” Betina, sua escrita é linda, verdadeira e emociona. Vou pensar positivo por todos vocês. Encontrei seus pais no clube e não tinha conhecimento de toda esta história. Sua mãe mostrou as fotos de seu casamento tão bonito e feliz…Um beijo forte para você,sua linda. passarinho.
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Tenho pensado tanto nessa música “Cais”. Que coincidência. Ita gosta muito. Bj
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Mesmo que as respostas para tantos questionamentos tenho morrido, o principal não morreu. O amor que você tem nesse coração enorme e que te dá forças, um forte abraço!
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Obrigada, Jussara. Um beijo.
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Não sei se já comentei algo aqui, mas leio sempre. Há 7 anos um dos meus melhores amigos entrou em estado vegetativo e o meu vínculo com ele é através de um diário sem datas, que escrevo a cada visita, sonho ou vontade desesperada. Quando te leio percebo que a gente realmente precisa contar – mesmo que ninguém leia ou escute – pra não sufocar. O diário que escrevo tem o título “A vida não é indelicada?!” com direito a uma playlist no spotify com mesmo título e canções que são lindamente indelicadas. Não sei se um dia vou fazer algo com isso. Talvez um livro, quem sabe um filme, ou uma exposição, mas por enquanto não faço nada. Só alimento conforme minha necessidade. Uma forma de continuar… Que vocês fiquem bem. Bom mesmo te ler!
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que lindo, Tatinha! que sorete do seu amigo ter vc! bj
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