Você não vai acreditar, mas você precisa saber da piscina, da margarina, da carolina, da gasolina…
A piscina de casa tem estado sempre limpa, transparente, mas ainda fria. Acabaram-se os dias de ranário, como você brincava quando ela ficava verde e cheia de folhas. Em muitos domingos, o Fabio faz um churrasco pra gente. Fabio virou um churrasqueiro de primeira, sabia? Aprendeu tudo com a Dani. Ela também faz um churrasco delicioso. Ficamos lá nós todos, jogando conversa fora, jogando Uno com o Derek, experimentando os patês que o Fabinho faz e ouvindo as histórias saborosas da Bella. Tão bom. Sente o cheiro? Quer Descer? Pede.
A margarina é uma grande vilã da alimentação. Pra fabricá-la, usam solventes de petróleo, ácido fosfórico, soda e depois ácidos clorídrico, ácido sulfúrico e níquel. Por causa disso tudo, a margarina tem longo prazo de conservação, não fica rançosa, não pega fungos nem é atacada por insetos ou ratos. Bom, se nem inseto nem rato quer, imagina o que mais tem nessa tabela periódica comestível.
Queria te falar que definitivamente eu não gosto de carolina. Não importa o nome que se dê: carolina, profiterole, ecláir ou bomba. Não importa a padaria que se compre. Acho tudo ruim. Não gosto de doce de padaria. Não gosto de carolina.
E a gasolina? Ah, a gasolina! Quando você dormiu, o litro custava mais ou menos R$ 1,98. Hoje, 12 anos depois, custa R$ 4,22 e subiu pela 14ª semana seguida nos últimos meses. Há algo de muito podre no reino de Brasília. Tão podre que nem solventes, ácidos, aromas artificiais conseguem esconder os fungos e os ratos.
Agora, você precisa saber de mim. Fim do ano fui com a Bruna, Lucca e Maria pra Buenos Aires. Era uma viagem só nossa, nós quatro juntos, sem os amores ou família. Eles organizaram tudo: casinha em uma vila em Palermo, um guia de sugestões e indicações feito por um amigo da Maria especialmente pra ela, uma programação cultural e gastronômica delícia, dias de tempo lindo e calor.
No quinto dia, uma febre alta fora de hora. Horas depois, a entrada em um hospital público para uma operação de urgência de apêndice rompido e uma peritonite.
Pela porta da frente, dei entrada em uma história de terror que até hoje ainda duvido que vivi. Médicos e enfermeiros não entendiam o que a gente falava e eu não entendia o porquê daquilo tudo estar acontecendo.
Conheci o preconceito, a xenofobia e o medo. Senti tudo ao extremo: frio, calor, fome, sede, dor, culpa. Era como se estivesse em uma fenda do tempo. Os minutos pareciam horas arrastadas e eu pensava que nunca mais sairia dali.
Desde que você ficou assim, passei a ser a curadora da nossa família. Sou eu quem resolve as coisas pra você e pra mãe e que resolveu também para o pai. Quando se desempenha esse papel é difícil se sentir tão vulnerável e precisar ser cuidada por alguém.
Em todas as histórias fictícias têm sempre o bem e o mal. Como nada do que eu estava passando fazia sentido, até duas personagens de livros que li na infância entraram na minha história. Com os mesmos nomes e as mesmas características.
Minha companheira de quarto era a Lola. Como a personagem de Éramos Seis, Lola era um anjo: generosa, solícita, carinhosa, de uma bondade infinita. Uma das melhores pessoas que conheci na vida. Tenho por ela imensa gratidão e amor.
Do outro lado da história, a enfermeira Luciola, do mesmo jeito da personagem de José de Alencar. Uma mulher amarga, infeliz, que é chamada assim por ser o nome de um inseto que vive na escuridão à beira dos charcos. A inseta Luciola fez de tudo pra transformar meus dias nos piores possíveis. Muitas vezes, me peguei imaginando o que falaria pra ela quando finalmente tivesse alta. Depois, deixei pra lá.
Meus filhos foram insuperáveis. Não poderiam ter sido melhores. Odeio ter feito os três passarem por tudo o que passaram por minha causa. Ainda mais nas férias. Roubo um trecho da mãe dos Baudelaire, de Desventuras em Série, para falar o que os três viveram e superaram nesse momento, contando um com o outro.
“Orgulho de saber que não importa o que aconteça nesta vida, que vocês três vão cuidar uns dos outros, com bondade, coragem e altruísmo, como sempre têm. E lembrem-se de uma coisa, meus queridos, e nunca esqueçam: que não importa onde estamos, saibam que desde que se tenham um ao outro, têm a nossa família. E você está em casa.”
Sabia que na massa da carolina tem margarina que tem petróleo, portanto tem gasolina? E nós, do que somos feitos? De charcos e piscinas. De Lolas e Luciolas. De anjos e demônios. De forças e fraquezas. De partidas e chegadas. De medo e de amor. De ranço e de perdão. De solidão e família.
Acho que só faltava te contar pra exorcizar esses dias de dentro de mim. A foto aí de cima eu tirei da cama do hospital. Essa era a vista que eu tinha. Tirei a foto pra lembrar de nunca esquecer. O meu lugar é aqui.
bom dia…..primeiro eu estava preocupada pela falta de comunicação…a tempos não escrevia…..espero que já tenha se recuperado totalmente….fiquem com Deus e um brande beijo em toda família…
Abraços
Carla Andréa
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Linda, obrigada! Bj grande
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Bettina, que dura experiência! A vida nos traz coisas bem difíceis! Vc deve ter se perguntado” o que isso está me ensinando”, e com certeza, goste ou não, vc é uma mulher forte, com filhos maravilhosos!
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Muito obrigada pela mensagem e pelo carinho. Um bj
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Que susto hein, graças a Deus, tudo deu certo. E seu texto sempre mágico. E o livro?
Rsrs😘💖
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Marilda, querida, obrigada. Também espero o livro! Bj
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Oi, li alguns posts….conheci sua história pelo seu filho, Fabio Bopp, em um documentário. Gratificante ver seu trabalho guerreira. Ah, vi que falou sobre a carolina ou profiterole kkkk….mas garanto que a que tem perto da minha casa, faria você mudar de ideia. Um forte abraço e fiquem com Deus!
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Oi, Deny, Fabio é meu irmão. Que bom que gostou do programa e ele te trouxe até aqui. Obrigada. Será que eu mudaria de ideia? Fiquei curiosa com essa carolina. Bj
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Até mesmo que não fosse a realidade, mas um pesadelo em uma noite ruim, teria sido sofrido. Graças a Deus passou. E ficou a lembrança do amor dos filhos lhe cuidando.
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Tia querida, tenho saudades! Bj
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Conheci o blog através de um amigo, que sofreu algumas perdas e momentos difíceis, seus escritos dão muita força a ele, somente por isso já sou eternamente grato, imaginano as centenas de pessoas que você acaba ajudando.
Sou grato também, pelo sentimento e sensação que me invade toda vez que leio seu blog.
Sempre aguardo ansiosamente por um novo texto, já chorei horrores. Rs
Você é o tipo de pessoa que eu quero contar a história de vida para todo mundo, quero ler e chorar junto, quero mostrar a brevidade da vida e a força que temos para aguentar o que for, tudo isso através de seu exemplo.
Você nos divide em antes e depois, sou muito grato.
Desejo muita luz, sabedoria, força, bom ânimo, prosperidade e muita saúde.
Tudo de melhor, sempre! ❤
Obrigado.
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Leandro, querido, sua mensagem tão carinhosa ficou famosa aqui em casa. Chorei. Tão linda. Muito obrigada. Espero que seu amigo esteja bem e que ele saiba que tem a sorte de ter por perto alguem como você! bj
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Devorei todos os posts quando descobri o blog, contei pra todos os meus familiares e amigos, e fico sempre esperando um novo texto. Adoro seu jeito de escrever, acho sublime e muito sentimental. Espero que esteja 100% recuperada. 🙂
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Que linda você , Aryadne! Estou ótima, já! Obrigada! Bj
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Meninaaa… Como v escreve bem! de vez em quando passo por aqui e me deleito com seus textos. Siga sempre colocando seus sentimentos pra fora de forma tão sensivel e nos dando o prazer de “lhe ler”.
Beijos.
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amei!
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