Você não vai acreditar, mas a prefeitura vai cercar a Praça do Pôr do Sol, com grades e horário para fechar e abrir. Sabe por que, né? Aquela ideia insistente no Brasil de que o espaço público não é de todos, é de ninguém. Então, o lugar virou pós-balada da Vila Madalena, com muito barulho, drogas lícitas e ilícitas sendo vendidas e cacos de vidro, lixo e preservativos deixados no parquinho.
Tenho uma sensação quase infantil e egoísta, mas sempre achei que a praça era meio nossa. Ali foi praticamente o quintal da nossa infância. Naquele cimentado do centro, aprendi a andar de bicicleta sem rodinha e fiz um galo enorme num tombo de patins. Separei pra você aquela foto que o Victor, irmão da Paula, tirou dela depois de um dia de chuva. Olha como parece que naquele cimentado havia um lago. Bem bonito.
A gente nem chamava de praça, era o morrinho, lembra? A subida com a Ormezinda até a lojinha da dona Tereza pra comprar chicletes Ploc inaugurava as nossas férias de inverno. Ainda que a cada ano o chiclete tivesse novos sabores, as tardes de julho sempre tiveram gosto de hortelã.
E depois escolher e pagar com a mesada as pipas de papel. Empinar com o pai era o máximo da nossa liberdade vigiada. Fim de semana era tempo das pipas no céu e escorregar na grama com as caixas de papelão, que a mãe trazia aos montes do Gonçalves Sé. Confesso que meu maior pesadelo era rolar lá para baixo e cair no asfalto da Estrada das Boiadas.
Acho que foi o Filé o primeiro a me perguntar se eu morava no Morro do Pôr do Sol. Eu ainda estava crescendo e não conhecia a nomenclatura e a programação adolescente do bairro. Foi com o Filé que aprendi que, no fim de tarde, ele e a turma do Balão pediam uma média na Padaria Pioneira e depois subiam todos de moto para o alto do morro.
Eram os meninos mais lindos do bairro, da cidade, do mundo. Deuses do Olimpo e que agora a Paula e eu fazíamos parte da turma e subíamos também pra ver o pôr do sol.
Em nossas milhares de subidas e descidas, e através das lentes do Victor, a gente foi vendo mudar a silhueta do horizonte com as novas construções e a força da grana que ergue e destrói coisas belas.
Não sei mais soltar pipa. Não existe mais chiclete Ploc e nem a loja da dona Tereza. Filezinho, como deus, escolheu morar no Morro do Olimpo. Beto foi fazer companhia e o resto da turma faz parte da minha rede virtual e vire e mexe perguntam de você.
Hoje é dia dos pais. Além de rolar morro abaixo num pedaço de papelão, sempre tive medo do dia dos pais sem meu pai. É estranho. Já não tem na mesa de centro a latinha de brie e a garrafa de vinho. As risadas, as histórias e os corações amassados em um, dois, vinte milhões de abraços. Ai, pai…
Vão cercar a praça, Ita. E eu fico pensando se preciso também cercar essas memórias pra elas não escaparem pra debaixo dos meus dias.
Obs: Fotos em pb da Praça do Pôr do Sol, nos anos 70, do fotógrafo Victor Andrade.
lindo os seus textos,lindo o amor que vc tem pelo seu irmão!!
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Obrigada, Ana. Beijo
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“Vão cercar a praça, Ita. E eu fico pensando se preciso também cercar essas memórias pra elas não escaparem pra debaixo dos meus dias.” caramba, sem palavras
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Beijo, querido!
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Bettina, descobri seu blog por acaso e só tenho a agradecer ao destino por me permitir conhecê-lo. Mesmo sendo leitor compulsivo, há tempos não lia palavras tão sinceras e que mexessem tanto comigo (sempre achei que seria impossível um texto me fazer chorar como os seus fizeram). Já divulguei para os amigos, li praticamente todos os posts e agora faço parte dos que torcem e oram para que seu irmão acorde logo. Deus abençoe vocês.
Nunca pare de escrever. Ah, e muito obrigado por me fazer lembrar do verdadeiro porquê de escrevermos. ❤
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Tão lindo, querido, tão generoso. Fico emocionada por ter gostado da nossa história. Privilégio ter você como leitor. bj
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O coração de quem ama… ficam faltando uns pedaços. Aos poucos se vão. Os dias dos pais passou e ele não estava mais aqui. Os bons vizinhos se vão aos poucos. Os espaços vão se transformando e a gente parecendo estranho neles. Como você no dia-a-dia vamos caminhando… O bom de tudo, as flores insistem em desabrochar, a chuva a fecundar e você a escrever. Um bálsamo. Solidário pelo Ita.
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Ah, que lindo, Leonardo. Beijo com nosso carinho!
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Bettina, fiquei sabendo (hoje) do seu blog! Fiz CEL LEP com o Itamar – qdo o cel lep era na Cidade Jardim, onde hoje é o Benihana…..Meu deus ato tempo e qts lembranças. Morava na Diogenes naquela época… perto da casa dos seus pais!.. Fui muito próxima dele. Uma vez até o Fabio me socorreu em um acidente na esquina com a São Gualter!! Vou seguir este seu blog para ter a grata surpresa um dia……
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Obrigada, Sylvia. Bom ter vc por aqui! Bj
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Betina, não sabia dos eu blog e me emocionei com seus lindos textos…foi tão bom ver as fotos do Ita…que saudades… beijo grande. Angela toepfer tavares
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Oi, Angela! Que bom que chegou até aqui e que gostou. Saudades dele sempre. bj
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