Você não vai acreditar, mas o agressor dorme no homem comum. Forte, não é? Li a frase em uma reportagem de um jornalista. Ele participou da sessão de um grupo reflexivo de homens enquadrados pela Lei Maria da Penha.
Ali onde o repórter achava que encontraria agressores violentos, ele viu homens comuns: psicólogos, porteiros, empresários, vendedores, músicos, engenheiros, estudantes, médicos, desempregados, aposentados. Todos, sem exceção, eram resistentes em assumir seus erros.
Nesta semana, a barbárie veiculada nas redes sociais: uma jovem sofreu estupro coletivo. Na delegacia, um dos participantes negou a agressão, sorriu para câmera e brincou que estava mais famoso do que a Dilma. E o delegado disse ainda investigar se tinha havido consentimento da jovem e se ela tinha por hábito participar de sexo em grupo. A culpa é da vítima?
Percebeu a urgência de se falar muito, diariamente, incansavelmente sobre o machismo? Mesmo que você esteja dormindo. Mesmo que eu esteja dormindo. Mesmo que outras tantas e tantos estejam dormindo. Porque algumas mulheres ainda reproduzem um discurso que é machista, porque muitas mulheres morrem, porque muitas mulheres são agredidas, porque todas as mulheres sentem medo.
Por isso, Ita, quando você acordar vai descobrir que precisa treinar a escuta, pensar na fala e vigiar as ações cotidianas. Porque são elas que definem o tipo de pessoa que você vai ser daqui pra frente.
Quando você acordar vai constatar que o significado de ser homem ou mulher é uma construção histórica, social e que mudou com o tempo. E que esse é o tempo das mulheres se unirem, lutarem e dizerem não.
Quando você acordar, vai entender que não é você que pode determinar o que assusta ou não as mulheres. E o que pode e deve fazer é ter empatia pelas dores delas, mas saber que são dores que você nunca viveu ou vai viver.
Quando você acordar, vai perceber que precisa parar de fazer alguns comentários e rir de muitas piadas. O humor tem limite sim. E se o mundo desse jeito ficou chato pra alguns, certamente “esses alguns” não eram o alvo das piadas.
Quando você acordar, vai se revoltar em sentir as consequências de um ministério composto por uma elite machista, classista, racista, hipócrita e autoritária, mesmo que sob o verniz da democracia e do estado de direito. E que não é engraçado comparar o correto com o elenco do Power Rangers.
Quando você acordar vai saber, definitivamente, que o que o feminismo defende são direitos iguais e liberdade de escolha para as mulheres. E que a luta não é contra o machismo individual, contra você ou aquele outro, mas sim contra o machismo estrutural, que existe desde que o Brasil é Brasil. E o mundo é mundo.
Quando você acordar vai se orgulhar das suas sobrinhas. Bella é de uma geração que cria coletivos femininos nas escolas. Bruna, com o equilíbrio e a sensatez que você conhece, ensina a mãe a não reproduzir comportamentos machistas. Maria… ah, a Maria… Ela é da comissão de frente nas lutas feministas. Maria é radical.
Um dia fizeram uma pergunta à Pilar, mulher do Saramago:
– Pilar, por que você é feminista radical?
E ela respondeu:
– Porque tenho que ser feminista por mim e por todas aquelas que não são.
Maria tem sido por ela e por aquelas que ainda não são. Aprendo com ela diariamente. Não estou pronta. Nunca estamos.
Maria fez disso sua causa. Lê, ouve, escreve, fala e vai pra rua. Você me conhece, me preocupo, mas tenho enorme admiração.
Depois da barbárie dessa semana, é difícil estar otimista com as coisas, mas tenho esperança nestas meninas que vêm por aí. O otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas coisas ela floresce.
E de esperança, acho que entendo.
Estou tbm estarrecida com tal acontecimento e precisamos sim de pessoas como vc que tem a coragem de nos fazer repensar nossas atitudes, que muitas vezes são machistas e preconceituosas, assim como este delegado que fez tal questionamento a garota..espero e torço que quando Ita acordar estejamos vivendo um mundo melhor…
um bjo..
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