Você não vai acreditar, mas agora a Rua Maristela, 3, em algum lugar no Universo, está completa. O Raul foi embora na semana passada, assim, de repente, sem dar tempo de me despedir. Agora, ele, o Itinha, a vó Silvinha e o pai se reencontraram. Deve ter sido uma festa boa, não acha?
Vou te contar um segredo. Eu estava afastada do Raul há um tempo, por pura covardia. Encontrar com ele era sentir uma saudade tão doída do pai que eu não dava conta. Eles nem eram muito parecidos, mas a voz… A voz foi infiel, trocando de traquéia. E o dono foi perdendo a voz.
No primeiro ano sem o pai, no dia do aniversário da Maria, o Raul telefonou logo cedo pra ela. E a Maria achou que era o pai e chorou. Três meses depois, aconteceu a mesma coisa com a Bruna. Ele ligou, ela confundiu e chorou. O coração ainda estava se acostumando à falta e as primeiras datas sem ele eram uma novidade pra nós.
Como vão alugar o apartamento, a Fe e o Lu foram bem generosos e me chamaram pra escolher as coisas que eu queria da vó Silvinha. De novo eu rodeada de fotos, louças, espelhos e memórias. Quero sempre tudo.
Vou me reconhecendo naquele passado escondido no móvel da sala. O cheiro, os pratinhos das sobremesas de domingo, a colher de prata com os nomes gravados, a cuia e a bomba de chimarrão do Itinha. Fomos tão felizes.
Já te contei daquele livro que encontrei na biblioteca da vó Silvinha, que era um presente seu, do Natal de 88, lembra? E dos dizeres que ela escreveu na folha de rosto do livro, feliz por ser um presente seu. Agora foi a Fe que encontrou outra história.
Tinha uma imagem de gesso de um Menino Jesus deitado na manjedoura. Eu nem lembrava dela. A Fe disse que sempre quis essa imagem, desde os tempos em que ficava ao lado da cama da vó. Finalmente, seria dela. Só que ela descobriu embaixo da imagem um envelope. E dentro dele, havia um cartãozinho. E quando a Fe abriu, viu que o “dono” era outro. Aquele também tinha sido um presente seu e a vó Silvinha deixou o envelopinho ali, por anos, no mesmo lugar. Agora, o Menino e o cartão descansam ao seu lado, Ita.
A Ana Maria Machado diz que somos feitos de histórias empolgantes. Não sei se empolgantes pros outros, mas eu amo contá-las. E encontrá-las embaixo de uma xícara, atrás de um abajur, dentro de um oratório ou de um molho de pimenta do Raul. Adormecidas experiências misteriosas que por algum motivo guardamos.
Te amo, Ra, vai em paz!
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Empolgantes sim Be, especialmente pela maneira simples que as divide com todos !!! Bjss
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Robi sempre querida, um beijo grande pra vc!
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eu adoro nadar num mar de histórias
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Sylvio querido, que bom que temos um tanto delas guardado com vc! Memória Andrade!
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Como eu adoro encontrar vestígios do que todos eles – vovô, vó Silvinha, Itinha e Raul – viveram. As etiquetas nas xicrinhas, as fotos que parecem de filme, o bilhete no Menino Jesus.
Te amo e amo que você ama coisas antigas. Nossa casa tem muito mais história com elas.
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Amo guardar essas histórias com vcs! E as histórias espalhadas nas caçambas, ai, ai!
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