Você não vai acreditar, mas vamos passar só nós de casa o Natal desse ano. Não vai ter ninguém de fora. Vai ser como os nossos almoços de sábados e domingos, só que com luzes coloridas e frutas secas.
Há uns dias a Má postou uma foto da tia Nena e ela está igualzinha. Tia Nena é a certeza de que o que vivi realmente existiu. Ela é o elo perdido com o passado.
Havia sim um tempo em que a gente ia pra fazenda em Birigui e comia pamonha no alpendre da tia Elvirinha. Havia sim um tempo em que a gente caminhava no terreirão até a casa da tia Maria Gilda em Santa Rita e escutava o silêncio do final do dia quebrado pelo piu de um pássaro triste. Havia sim um tempo em que a gente corria pelo quintal da Tia Janina, brincando de Gênio do Crime e morrendo de medo do Mustang aparecer. Mustang certamente foi o maior vilão da nossa infância. Havia sim um tempo em que as curvas pra Capelinha eram de terra e o tio Theo e a tia Lucia acenavam pra gente na varanda, na chegada e na partida – e na despedida, tios na varanda, jeep na estrada e o coração lá.
E havia sim outros natais.
Esta época do ano é bem melancólica. Este é o momento em que deveriam existir milagres e portais dentro de cascas de nozes – e isso justificaria o fato delas serem tão trabalhosas de abrir.
Quando quebradas, poderia de novo ver e ouvir a vó Silvinha elogiando as rabanadas, o Itinha comendo as castanhas portuguesas, a vó Gilda insistindo em não sentar, pra ajudar a trazer todos os pratos da cozinha.
O pai chegaria depois da missa, quase na hora da ceia. A árvore estaria rodeada de presentes comprados pela mãe, que nunca se convenceu em fazer amigo secreto – “que graça tem ganhar só um presente?!”.
O dia todo seria preenchido pelo aroma de assados da cozinha e o cravo da Índia teria finalmente seu dia de glória.
Enganando o tempo, o relógio antigo giraria ao contrário e bisavós e bisnetos celebrariam juntos. Além dos meus três – já grandes, porque não tem companhia melhor – teriam os três do Fabio. A Fernanda traria o Gabriel, a Ana viria com o Francisco e o Miguel e o Theo chegaria com a Maria e a Lourdes. A casa de novo com muitas peças de Lego, pinos de jogos e gargalhadas pelo chão.
Especialmente nesta véspera de Natal, você não estaria chato – sim, porque esse era o dia em que você decidia ficar no quarto, quase monossilábico, até a hora da ceia. Tinha uma razão?
Voltando ao Natal da casca de noz, você estaria falante e feliz e traria de novo a banda de velhinhos fardados pra tocar as músicas natalinas na porta de casa.
Alguém comeria uma tâmara e mostraria o caroço. Os menores não conheceriam a história mágica da tamareira. A vó Silvinha contaria sobre a fuga para o Egito de Maria, José e o menino Jesus, montados num burrinho, logo depois do nascimento. Falaria sobre a perseguição dos soldados do rei Herodes a todos os bebes recém-nascidos. Contaria sobre a aproximação do exército e os três, exaustos e com fome, procurando refúgio e descanso sob a sombra de uma tamareira.
Quase sussurrando, vó Silvinha diria que, a fim de escondê-los, a tamareira se inclinou para que as folhas cobrissem os três e as tâmaras ficassem ao alcance de suas mãos. E que nesse momento, Maria deixaria gravado pra sempre no caroço dos frutos o seu “Ó” de exclamação, abençoando aquele deserto.
Depois do desfecho, as crianças comeriam tâmaras pela primeira – e talvez última vez – mas todas encontrariam o “Ó” de Maria.
Antes da ceia, faríamos uma oração e teríamos a certeza de que aquele momento seria para sempre guardado dentro de cada um, num lugar seguro e sagrado, como uma casca de noz.
Feliz Natal!
Meu Deus, que texto maravilhoso!
Havia sim um tempo em que a saudade e a nostalgia ainda não tinham espaço naquela mesa cheia. Mas hoje temos um Papai Noel da nova geração, um passarinho vivendo na árvore de Natal e aquilo que realmente importa: a gente ali reunido.
Te amo!
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Te amo, te amo, te amo, te amo…
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Sempre tão lindo, fico até chata de repetir isso sempre. Que sua família tenha um Natal abençoado e eu também queria que ao abrir uma noz tivesse um portal que trouxesse a felicidade dos Natais da infância de volta… Obrigada de novo e sempre por dividir isso tudo com a gente!!! Beijooooossssss
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“Este é o momento em que deveriam existir milagres e portais dentro de cascas de nozes – e isso justificaria o fato delas serem tão trabalhosas de abrir.” Lindo, dessas preciosidades que ficam guardadas no coração. Feliz natal e amor pra você!
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Obrigada pelo carinho! Amor pra todos nós!
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Eu queria abrir essa noz! E ter acenos na varanda na estrada de terra onde buzinaríamos o carro. Também ter papais noeis diferentes a cada ano…Mas ainda podemos Comer tamaras e encontrar a Ana com seu filho. 😍😍😍😍😘😘😘😘😘
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Que lindo, Fe.
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