Você não vai acreditar, mas existem muitas mudanças nas ruas perto de casa. Algumas viraram mão única, outras contramão e alguns cruzamentos passaram a ter semáforo.
Além disso, de setembro de 2005 até esse ano, houve um aumento de mais de 3 milhões de carros andando em São Paulo.
Fico pensando se existe um gene familiar que defina amor por carros. Você sempre foi um apaixonado. Lembro de você e do Fabio contabilizando os que passavam: “Aquela Caravan prata é minha!”, “O Maverick verde é meu!”, “O Porsche Carrera amarelo é meu!”, “É meu, eu que vi primeiro!”. Nunca era eu que podia sentar do lado da janela, porque vocês tinham que ver os carros rapidamente e ganhar a competição. E eu praticamente só sabia qual era o Fusca.
O Derek é um apaixonado por carros, assim como vocês. Nem o Lucca nem o Fabinho foram quando pequenos. Lucca preferia as bolas, Fabinho os bonequinhos. O Derek assiste a programas e folheia revista de carros. Acho incrível! O Fabio diz que ele parece um dos personagens que perseguiam o pombo Doodle e que falava metade palavras e fazia metade ruídos. Mas em qualquer frase dele cabe um brumbrum.
E eu como nunca fui uma apaixonada, me irrito muito no trânsito. E me transformo. Sou uma espécie de Dr Jekyll e Mrs Hyde. Tenho raiva de quem liga o pisca-alerta e pronto, acha que o mundo parou por causa daquela luzinha. Ou daqueles que andam pelo acostamento ou ainda dos que, no último momento – só pra não esperar uma fila interminável de carros –, querem entrar na sua frente pra pegar à direita. Ele acha que eu realmente estava gostando de esperar ali há tanto tempo? Ah, não deixo entrar, xingo e brigo como se fosse uma campeã de jiu-jítsu adolescente, pronta pra lutar com 11 caminhoneiros enlouquecidos.
Nos últimos 10 anos, a cidade também registrou um aumento de 183% no número de viagens feitas de bicicleta. E desde 2011, aumentou, e muito, o valor da multa para os motoristas que desrespeitarem os pedestres.
Assim, com todos esses aumentos, você pode ter uma ideia do caos e do trânsito que acontece todos os dias, em todos os horários, em qualquer canto da cidade.
Às vezes, sou ciclista. Amo andar de bicicleta. Vou a parques com as meninas, mas queria várias ciclovias espalhadas pela cidade e motoristas civilizados ao lado delas. Acho a ciclovia no canteiro central, que vai da Helio Pelegrino até perto do Parque Villa-Lobos, sensacional. Ou a da margem do rio Pinheiros – pena que o cheiro atrapalhe – porque são lugares seguros onde você não corre o risco de ser atropelado. Com a bicicleta, você se locomove e fica saudável. Ou morre.
Vou e volto a pé pro trabalho. E acho uma delicia ter essa sorte. Mas não deixa de ser uma aventura. As calçadas estão destruídas e lojas e garagens invadem o lugar onde seria pro pedestre passar. Mesmo que, por lei, a preferencial de atravessar seja sua, você nunca sabe se o carro vai respeitar a regra ou te atropelar. E se não for por um carro, posso ser pega por um ciclista que deveria desembarcar ao atravessar a faixa de pedestres – o que também é determinado por lei – e que quase nunca fazem.
O que é triste perceber é que meu eu-motorista, meu eu-ciclista e meu eu-pedestre não poderiam conviver de forma pacífica, porque cada um deles acharia que tem absoluta razão quando está em um desses papéis. Muitos direitos, poucos deveres.
Como motorista, acho absurdo o pedestre, lento, cruzando a rua na diagonal e usando o smartphone. Como pedestre, acho que, mesmo atravessando fora da faixa, o carro pode esperar. E como ciclista, vez ou outra, poderia me ver andando na contramão.
O melhor lugar pra se colocar no lugar do outro é o trânsito, embora a gente se esqueça disso invariavelmente. Apesar das pessoas estarem todas ligadas numa grande teia social, o que se vê nessa cidade-teia são aranhas solitárias, preocupadas com o próprio umbigo.
Queria poder te dizer, Ita, que assim como o sentido das ruas, São Paulo mudou nesses últimos anos, virou uma cidade-colmeia. Porque as abelhas são sociais e altruístas. Têm consciência coletiva. Enquanto cuidam de si, cuidam do outro. Mas ainda não dá.
No fundo, no fundo, somos quase todos motoboys – eis o melhor e o pior de mim. Capazes de pensar em chutar espelhinhos, riscar carros, xingar as pessoas ou de atos solidários e nobres, como socorrer outros motoboys acidentados. Ou carros quebrados dentro de um túnel comprido e escuro, lembra?
Pode ser que a via a seguir seja a correta, só estamos nos adaptando às mudanças. Um dia, vamos saber conviver. Mas ainda são seis horas da tarde, amanhã começa o feriado, está chovendo, todos os semáforos estão apagados e o destino ainda está muito, muito longe de ser alcançado.
Domingo dia de preguiça
Domingo dia texto do Blog da Be
Ita, pensar em carros e não lembrar de você, seria impossível
Na porta da sua casa sempre tinham no mínimo 6 carros estacionados
Carros importados, diferentes e raros
Carros que nunca tinha visto eu via ai na rua
O primeiro carro automático, primeiro carro blindado
Parecia que você descobria carros diferentes para a cidade toda
Você conseguiu um Carmanguia conversível para a Bê
E por um tempo brincamos de Penelope Charmosa
Os carros da Bê continuam tendo depósitos, armários, sala da bagunça e achados e perdidos ( mais perdidos que achados)
E realmente só o Derek ama carros como você
Ele tem sempre 5 ou 6 carros que não empresta nem quer que ninguém coloque a mão
Ele namora os carros e olha para eles como se comunicassem entre si
Uma semana antes de você dormir te liguei para saber quanto valia meu carro, mas não te encontrei
Você dormiu…
E os carros na porta da sua casa foram ficando sujos e cheios de folhas
Tinham uns 5 carros enraizando na porta da casa
Eu falava que você tinha deixado uma plantação de carros que pareciam ter raízes
Mesmo sem os carros sujos, quando subo a rua da sua casa hoje, qualquer carro parado na porta me lembra você
Parece que tudo lá esta meio que esperando algo
Esperando talvez que você acorde e tome conta novamente do pedaço
Mas para mim, eu quero só que você acorde
❤️
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Qual é o problema de ter um carro-dormitório?!
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Amo a mãe-ciclista, que instituiu a paradinha para água de coco. Amo a mãe-pedestre, que se aventura a mudar a rota, só para comprar flores no meio do caminho. Amo a mãe-motorista, que conhece os melhores caminhos de rato para fugir da 23 parada.
Ou seja, amo a mamãedela.
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Amo a filhadela todos as luzes dos faróis da vinte e três às seis da tarde bairro-centro-centro-bairro!
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