Você não vai acreditar, mas um pajé foi te visitar quando você estava no hospital. Um amigo do Fabio que levou, porque naqueles dias, com a nossa fé colocada à prova, qualquer crença emprestada servia.
Ele sugeriu que você tomasse veneno de sapo. Podia causar vômitos, diarreia, taquicardia e alterações de pressão, mas seria ótimo pra você acordar. Oi?
Fiquei com o pajezinho dentro do quarto, enquanto ele colocava argila na sua testa. Perguntei, pausadamente e em voz alta (como se ele fosse surdo e não pajé): “Por-que-meu-irmão-está-assim?”. “Porque ele é mau!”. “Meu irmão é mau?!”. “Não seu irmão, o espírito da floresta!”, respondeu com uma cara quase óbvia e ficou em silêncio o resto do tempo, achando que eu não sabia nada da vida, florestas, espíritos e sapos.
O Zé Luiz trouxe um neurologista pra ver você. O Beto trouxe outro. E um amigo do pai mais outro, além de todos os do hospital. E todos unânimes. O pior infarto na pior idade com danos neurológicos por causa da extensa parada cardíaca. Diante daquele prognóstico da Ciência, nos voltamos pra crença alheia.
Outro amigo do Fabio – nosso irmão é um homem de contatos – levou três monges tibetanos no dia em que você saiu da UTI e foi pro quarto. Vestidos a caráter, sentaram no chão, chacoalharam sininhos, acenderam incenso e entoaram mantras. Alguém precisava ficar na porta, para avisar a tempo de apagar o incenso, caso alguma enfermeira se aproximasse. Fiquei de porteiro, mas curiosa com o que acontecia lá dentro. Abri bem pouquinho a porta e me emocionei ao ver o pai e a mãe sentados no chão, balançando os sininhos. Um ritual bonito.
Um Lama veio dois dias depois te conhecer – fazia parte do pacote do Tibet. Ele ficou com você mais de duas horas, sozinho. Quando saiu, não disse nada e foi embora. Não sei se foi pra acalmar nosso coração ou se foi verdade, mas o amigo do Fabio telefonou em seguida pra dizer que o Lama tinha uma certeza: demora, mas o Itamar volta.
Muitos padres que o pai conhecia foram rezar por você. Você ganhou imagens de Nossa Senhora de vários lugares: Aparecida, de Fátima, de Lourdes, da Penha, de Medjugorie, de Schoenstatt, das Graças, da Cabeça, da Rosa Mística, da Esperança, Desatadora dos Nós. E a mãe, fervorosa, colocava uma a uma ao lado da sua cabeceira.
Foram também muitos evangélicos, que levaram carinho, palavras e certezas que buscávamos. Todos, sem exceção, tinham apenas um pedido: retirar as imagens de Nossa Senhora do quarto. E a mãe, crente, colocava todas as Marias pra dentro do armário. Não sei quantas vezes ela fez isso: colocava todas do seu lado, colocava todas dentro do armário – Mãe, na sua graça, é eternidade.
Você tomou banho de ervas, florais, passes e sermão. E nada aconteceu. Foi visitado por mães de santo, budistas, messiânicos. E nunca aconteceu.
Um dia, uma amiga do Fabio se ofereceu pra levar – e pagar – um paranormal famoso, que cobrava em dólar por uma energização. Ele chegou numa tarde vertendo óleo e perfume das mãos. Só quis nós quatro com você no quarto. Andou em volta da cama, com as mãos no bolso, respirou fundo, tocou na sua testa, e você, que há quase um mês não se mexia, tentou levantar a cabeça e gritou. Conheci o paraíso. Achamos que era o começo da sua volta. Tempo de celebrar.
Dois dias depois, de madrugada, ele ligou para o Fabio e de novo queria te ver. Pediu para que eu fosse pro hospital também. Estava me sentindo a escolhida e que faria parte do milagre de ver você levantar.
O paranormal estava muito falante, animado, tinha bebido um pouco e tudo parecia um filme. Entrei com ele no quarto. Ele me disse que eu veria luzes coloridas de cura saindo da sua cabeça. Ele aproximou as mãos em concha perto dos seus olhos, Ita, e eu vi as luzes coloridas. Ele me pediu muita concentração e fé. Deu a volta na cama devagar, trocando de lugar comigo. Quando tirou as mãos do bolso novamente, meio atrapalhado pela bebida, fez com que um daqueles anéis vagabundos de luzes, desses que a gente compra em dúzias na 25 de Março, acendesse antes da hora. Vi a luz colorida já piscando de dentro do bolso.
Não queria acreditar. Meu mais novo guru, capaz de fazer você levantar com o toque das mãos, que cobrava em dólar e fazia milagres, não passava de uma farsa com um anelzinho da 25? Conheci o inferno. Tempo de desacreditar.
Como eu contaria pro pai, pra mãe, pro Fabio, pros meninos?
Ele continuava com o show e me perguntou: “Tá vendo as luzes de cura? Verde, azul, amarela?”. O anelzinho piscava sem parar nas mãos em concha. Vingativa, disse: “Não tô conseguindo ver nada!”. Confuso, ele insistiu: “Como não? Olha que lindo, verde, azul, amarela!”, “Acho que não estou concentrada, não tô vendo nada!”. “Lilás? Roxa?”, “Nada, nenhuma!”. Ele ficou na dúvida se o charlatão era ele ou eu.
Saímos do quarto em silêncio. A amiga e o Fabio ansiosos lá fora e eu não consegui dizer nada. Fomos embora. Demorei um tempo pra contar pro Fabio e quase dois anos pra contar pro pai e pra mãe.
E nesse tempo minha fé falhou. Assim como as imagens de Nossa Senhora, guardei minha crença dentro do armário e por muito tempo não tirei de lá.
Hoje, em vez de querer que tudo aconteça do jeito que quero, consigo querer o que é melhor para você – Há duas formas para se viver a vida: uma é acreditar que não existe milagre, a outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
Mais um texto lindo! Beijos, Bettina!
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Beijo, minha linda! Obrigada!
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Bettina… Esse blog é puro amor, carinho e fé. Beijos, Flavinha (bubu)
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Querida, vc faz parte desse amor! mts bjs
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Sem palavras!!!!!
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Amado, obrigada!
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Muito lindo vindo da alma.
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Obrigada, Malu! Bj
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Bê Querida ,
Como vc escreve bem!!! Seus textos são lindos, estou amando seu blog, continue escrevendo !!
Bjs
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Minha querida, que delicia ouvir isso de vc! Mts bjs
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BETINA Deus é fiel!! vcs merecem um grande milagre.
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Obrigada, Rose! Bj
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Ainda vamos fazer um filme desta história toda, mãe.
Espera pra ver.
Te amo!
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O roteiro será seu, a direção da Maria, a campanha publicitária para divulgação do filme do Lucca. To feita! ❤
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Vc me deixa sem palavras minha linda, bjs
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Cris, querida, que saudades de você! Quem bom que lê e gosta! Bj grande
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Conheci há pouco tempo seu blog e me apaixonei, estou lendo todos os textos, vi sua filha falando de virar um filme, não sei um filme mas pelo menos um livro deveria. Bjo
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Ah, Ligia, eu adoraria mesmo que virasse um livro! E adorei que vc está gostando! Bj
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Sarah, querida, que relato lindo. Estamos juntas na dor e na delicia! beijo com carinho.
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